Dia Internacional da Mulher
"Eu nunca me imaginei prefeita de Pelotas"
No Dia da Mulher, Paula conta sua trajetória até se tornar a primeira chefe do Executivo pelotense
Gabriel Huth -
Após vencer a timidez dos tempos de colégio, Paula ganhou desafios cada vez maiores (Foto: Gabriel Huth)
Para quem precisou trabalhar a “timidez quase patológica” na infância e sempre se imaginou lecionando Francês, ser a primeira mulher a comandar Pelotas foi uma guinada de 180 graus. A trajetória de vida de Paula Schild Mascarenhas, 49 anos, é marcada por um acaso certeiro de esbarrar em grandes influenciadores que a ensinaram e a encorajaram a enfrentar os desafios diários de uma gestão. Depois de conversar por mais de uma hora com a reportagem do Diário Popular na última quarta-feira, a protagonista que encerra as homenagens ao Dia Internacional da Mulher revela que seu desejo maior é fazer um bom governo, “mesmo que isso não seja reconhecido momentaneamente.”
A política chegou tarde na vida de Paula. Se tivesse continuado no Instituto de Educação Assis Brasil, onde a filha da dona Maria Helena cursou do jardim de infância à 8ª série, poderia ser atualmente uma engenheira agrônoma e seguir os passos do pai, Fernando Otávio, falecido em 1999. A pedido da amiga Sandra Castilho - que mais tarde voltaria a influenciar positivamente Paula -, a caçula da família de três filhos foi estudar no Gonzaga, onde se apaixonou pelas aulas de Português. O curso de Agronomia chegou a ser frequentado, mas por apenas três meses, já que o encantamento por Letras, no Instituto de Letras e Artes da UFPel, definiu o que seria sua profissão. Por quase uma década, Paula atuou como professora. “Foi nesse período que eu me revelei para mim mesma, acabando com minha timidez”, disse a chefe do Executivo, que ainda costuma baixar a cabeça quando conversa, mas agora apenas para buscar nas memórias as lembranças da vida.
Bernardo de Souza
Paula revela que sempre gostou de política. “Mas aquela de mesa de bar, em que a gente discute, mas não se envolve.” Foi em um reencontro casual, em 1998, no bar Cruz de Malta, mais uma vez com Sandra, que na época trabalhava com o então vereador Eduardo Abreu, que Paula conheceu Bernardo de Souza. “De tanto ela insistir, resolvi acompanhá-la à inauguração do comitê na Osório. Era o início da caminhada para a reeleição a deputado estadual.” Lá, a professora ouviu vários discursos políticos que não lhe chamaram a atenção. “Até que o Bernardo tomou a palavra. Foi o último a falar. E foi uma revelação. Eu fiquei encantada.” A ajuda na campanha e a filiação ao PPS renderam um convite para trabalhar na Assembleia Legislativa e, posteriormente, para ser chefe de gabinete de Bernardo na segunda gestão dele na prefeitura de Pelotas, em 2005.
Com a doença do político, a então assessora assumiu várias frentes, inclusive sendo a primeira mulher a coordenar a bancada. “Era um mundo masculino e eu fui obrigada a me posicionar.” Para ela, “o bom assessor é aquele que protege o homem público”. Paula levou consigo esse conceito e protegeu Bernardo até a doença de Parkinson o levar. “Foi um período de muita dureza, mas de muito aprendizado.”
Eduardo Leite
A pausa de quase sete anos na vida política colocou Paula de volta às bancas acadêmicas. Com uma bolsa de estudos, passou dois anos na França, cursando doutorado. Mas a amiga Sandra surgiu novamente, em mais um encontro casual, e a colocou em contato com Eduardo Leite. “Foi quando ouvi dele: ‘Tu és a vice que eu sonhei’.” Para a filha da dona Maria Helena, a intimação foi um baque. “Eu estava com minha vida política anestesiada.” Paula diz que, na época, não levou o convite muito a sério, mas procurou seu partido, o PPS, que estava em busca de um nome para disputar a eleição municipal.
Depois da primeira reunião, virou pré-candidata. “Formar uma chapa é muito difícil e após vários debates, acabei sendo a vice de Eduardo.” Os “azarões”, como a ex-professora mesmo considerou, ganharam as eleições. “Com o Eduardo eu fui uito feliz. Tive momentos de muitas realizações.”
A prefeita de 112 mil votos
A notícia que mudaria a vida de Paula Mascarenhas veio em 2015. Eduardo Leite comunicou que não concorreria à reeleição. “Eu nunca me imaginei prefeita de Pelotas.” Foi preciso todo um trabalho interno, pois a então vice colocava na balança o peso da responsabilidade de assumir a prefeitura e também de se fazer querida, como o atual governador sempre foi com os pelotenses. “Foi um momento difícil. Os partidos se decepcionaram. Mas as coisas foram dando certo.” A candidata que temia as urnas desbancou os adversários já no primeiro turno com quase 60% dos votos, algo inédito no pleito municipal. Paula é uma das 34 prefeitas em um universo de 497 municípios do Estado.
O apoio da família
É na matriarca da família Schild Mascarenhas, a professora e psicóloga Maria Helena, que Paula encontra seu porto seguro. Sempre com a agenda lotada, ela não abre mão de almoçar com a família quatro vezes por semana. “Minha mãe sempre me deu força, mesmo com o coração apertado. E como toda protetora, ela não queria a filha na vida pública.” O contato com a família se prolonga aos finais de semana, quando a prefeita viaja para Porto Alegre, onde o marido Alexandre mora e trabalha. “Mas muitas vezes ele precisa vir. Fazemos um revezamento.” A prefeita também não dispensa as idas à academia - três vezes por semana -, nem que para isso o relógio tenha que despertar às 6h.
Seus cães de estimação parecem dar mais trabalho. Mas ela não abre mão dos quatro passeios diários na praça. “A relação com eles me reconecta comigo.” Eles moram em apartamento, são bem comportados e as voltas na praça são indispensáveis. Sempre com saquinhos plásticos, para não deixar sujeira pelo caminho. Os passeios também garantem à gestora municipal um contato direto com a população, às vezes em forma de agradecimento, outras em críticas. “É importante me conectar com as pessoas, com a rua. Isso me faz não perder o chão.”
Um questão de detalhe
A primeira prefeita de Pelotas se considera uma pessoa de sorte, uma que vez que esteve ao lado Bernardo e Eduardo, duas pessoas de olhar sensível aos problemas da população e, portanto, nunca precisou mudar seu comportamento para comandar o Executivo. Por uma questão de coincidência, o gabinete é formado por profissionais que já trabalham com ela. “Gosto do jeito que as mulheres trabalham. Mas concordo que um governo feito só por ‘elas’ não é bom.” Para Paula, homens e mulheres têm jeitos diferentes de trabalhar. “Por ser uma mulher no comando, não diferencia. É uma questão de temperamento. De detalhes”, pondera.
Instituto João Simões Lopes Neto
Ao ser questionada sobre um grande feito, Paula fez um pausa. Disse que a pergunta era difícil e logo assumiu que governar Pelotas não é um grande feito, mas sim o maior e mais honroso desafio. Depois de nova pausa, a ex-assessora política confessou que os nove anos à frente do Instituto João Simões Lopes Neto foram o projeto mais importante de sua vida. “Eu tenho um orgulho enorme de ter participado da criação do Instituto. Ninguém acreditava, foram seis anos de tentativas, com alguns apoios. Mas quando deu certo, passei a acreditar em projetos coletivos.”
Diante da crise
Paula costuma dizer que “a gente não escolhe o momento histórico”. “Quis a contingência que coisas muitos difíceis caíssem pra mim.” A prefeita, ainda com 21 meses de gestão pela frente, refere-se à crise financeira e estrutural do município, que terá de enfrentar. “Eu não posso virar as costas, lavar as mãos e empurrar o problema para baixo do tapete. Tenho que pensar no futuro de Pelotas e nas futuras gerações, mesmo que isso me ponha em conflito com alguns grupos que têm seus interesses tocados. O principal deles é o servidor público. Com a proposta de mexer na forma de pagamento, para pagar o piso, a chefe do Executivo se viu diante de um problema. “Se não mudar, vai chegar ao ponto de a prefeitura não conseguir quitar os salários dos servidores e aposentados.”
Futuro
No Dia Internacional da Mulher, a prefeita de Pelotas, Paula Schild Mascarenhas, comemoras as conquistas com espaços iguais na família e na sociedade, mas lembra que na política parece ainda existirem barreiras que as impedem de ingressar na vida pública. “É importante que as mulheres mostrem que têm vontade de ocupar cargos políticos, o que é salutar para a sociedade.”
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